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Pedro Miguel: “A nós só pedem para ficarmos em casa… somos uns felizardos!”

Liga Portugal | 03/04/2020
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Treinador da UD Oliveirense fala das saudades do futebol, relativiza os efeitos negativos da quarentena, quando há pessoas a “sofrer” pelo mundo inteiro e lembra que “a saúde está em primeiro lugar”

É um homem de bom coração, naturalmente caseiro e, por isso, está a viver esta fase atribulada com a tranquilidade na medida certa. Pedro Miguel é, aos 52 anos, o líder da equipa da UD Oliveirense, clube que já representa há 12 anos, tendo também passado por CD Feirense, Leixões SC, Louletano, Ovarense e Olhanense, onde iniciou o seu trajeto como treinador. Como jogador, vestiu as camisolas de SC Farense e CD Feirense, entre outros, mas jamais imaginou entrar em campo para um jogo tão difícil como defrontar uma pandemia à escala global, no qual somos todos da mesma equipa.

O Covid-19, esse inimigo invisível e conhecido pela sua cobardia, impediu o mister de Oliveira de Azeméis de estar ao lado da sua mãe no mais recente 2 de abril, dia em que a progenitora celebrou o 84.º aniversário. Nem por isso Pedro Miguel deixa de ter esperança no regresso à rotina diária. Com saúde mas expectante, está pronto a obedecer às ordens de quem melhor sabe o que é melhor para nós: os profissionais de saúde.

Como tem lidado com esta situação?

Eu já estou muito habituado a passar grande parte do tempo por casa, gosto muito de estar em casa, mas quando posso, claro que saio, para tomar um café, estar com amigos. Naturalmente que, podendo sair, é totalmente diferente do que estar a fazer a quarentena que temos de cumprir. Temos de ser pessoas responsáveis e olharmos pela nossa saúde e pela saúde de quem gostamos. É isso que tenho feito, mas não deixa de ser uma situação anormal e que ninguém estava à espera. Como é evidente, é uma situação que não é fácil de ultrapassar em termos profissionais, mas daqui para a frente vamos ter de saber lidar. Poderá existir mais um problema para todas as pessoas…

Sendo Ovar uma das cidades mais afetadas e, ainda por cima, vizinha de Oliveira de Azeméis, deixa-o mais apreensivo?

Oliveira de Azeméis tem dezenas de casos. Ovar realmente faz fronteira nalgumas zonas com algumas freguesias de Oliveira de Azeméis. Eu próprio também estou afetado porque tenho um irmão que vive no Furadouro e está isolado, assim como a minha mãe, que tem 84 anos e celebrou o aniversário dia 2 de abril (quinta-feira). Cantámos os parabéns todos juntos, por videoconferência, uma coisa inédita e que nunca pensámos que fosse acontecer. A minha mãe está muito bem mas não sai de casa, até está apavorada por estar isolada, embora o meu irmão passe por lá todos os dias. Falamos todos os dias várias vezes, mas é uma situação que espero que passe rapidamente. Ovar é um concelho muito penalizado por esta altura e espero que, com o tempo e com a consciência das pessoas, isto passe. E claro, com a ajuda de quem nos está a ajudar imenso: médicos, enfermeiros…

O que tem procurado transmitir aos jogadores?

Os jogadores são notificados diariamente com um plano de treino e eles também nos enviam vídeos do que fazem, têm-se aguentado muito bem. Naturalmente, e à medida que o tempo vai passando, a ansiedade é cada vez maior. Não há certezas de nada, mas primeiro está a saúde. Gostamos muito de futebol, mas se não tivermos saúde, não podemos praticar e fazer aquilo que mais gostamos, no caso dos jogadores. Por isso, a saúde deles está em primeiro lugar e quando tivermos de voltar a estar todos juntos, que estejam todos bem de saúde e que regressem bem de saúde, logo que não haja sequelas para ninguém. Isso é o mais importante. Vamos acreditar que os nossos profissionais de saúde vão atenuar e consegui-lo com a nossa ajuda, enquanto cidadãos. Vamos fazer a nossa parte, que é o isolamento, para que possamos, todos juntos, rapidamente tentar terminar com este vírus e depois, quem sabe, poderemos terminar os campeonatos.

Como gostaria de ver o desfecho do campeonato?

O que eu gostaria, não sei se vai acontecer. O que gostaríamos todos é que isto passasse rapidamente e que tudo voltasse a uma normalidade daqui por algum tempo. Terminar a época, termos as pessoas nos estádios… Mas sabemos que isso é extremamente difícil de vir a acontecer. Pela informação que ouço, o cenário poderá não ser o que todas as pessoas gostariam. Se isso acontecesse, era sinal de que estaria tudo bem. Por precaução, e pelo que ouço falar à distância, mas não sei, eventualmente podemos terminar os campeonatos com os jogos à porta fechada, de forma a não existirem aglomerados de pessoas. Penso que poderá passar por aí, mas teremos que obedecer e seguir as instruções de quem sabe muito mais do que nós, que são os cientistas, os médicos… são as pessoas ligadas à saúde que vão dar as diretrizes para o que se deve fazer; se o campeonato retomar, como se deve proceder na fase final da época.

Coisas boas desta quarentena?

Coisas boas?? (risos) Há poucas… Para quem tiver filhos, que não é o meu caso, é mais complicado. Eu gosto de estar em casa, dá para ver jogos de futebol que já fizemos, o início do nosso campeonato e os jogos que foram mais e menos produtivos, analisar e perceber o porquê de algumas coisas. O futuro, face ao que se está a passar, para já, é uma incógnita. Que se consiga descobrir rapidamente um medicamento e uma vacina para estarmos todos mais tranquilos.

Sugestões do mister para esta quarentena?

É falar com aqueles amigos com quem já não falamos há muito tempo e agora temos muito tempo disponível. Se não falarmos, é porque se calhar não são tão nossos amigos (risos). Podemos e devemos falar nestas alturas: saber se eles estão bem, os seus familiares. Mas, já agora, existem algumas coisas que observo na televisão e não gosto, que são pessoas que tentam ser mais espertas do que outras e pensam que isso é esperteza, mas não é. O que nós devemos fazer é ligar aos amigos e estar com os amigos à distância. Temos aqui uma ótima oportunidade de leitura, por exemplo, mas também para quem gostar de ver filmes, ver muitos filmes, ler muitos livros, falar com amigos, pessoas conhecidas, pessoas de quem a gente gosta. Quem gostar de cozinhar pode cozinhar, mas eu sou daqueles que gostam mais de comer do que de cozinhar (risos). Agora há tempo para tudo. Nós, portugueses, somos aquele povo que estamos bem onde não estamos, quando tínhamos as coisas, dizíamos: “ai quem me dera estar em casa, tranquilo no sofá” e agora é “ai, quem me dera poder sair...” Nunca estamos satisfeitos com aquilo que temos. O que temos de fazer é acreditar nas pessoas que estão a fazer um esforço terrível no sentido de minimizar a situação, que são os profissionais de saúde. A nossa função é sermos responsáveis e mantermos o isolamento, para que acabe o sofrimento das pessoas que estão a ser afetadas neste momento.

Que conselhos deixa para não deixarmos que a impaciência e a saudade do futebol se apoderem de nós?

É pensarmos que já estivemos a uma maior distância disso voltar a ser uma realidade. Já passou algum tempo, há coisas muito piores na vida e que as pessoas não dão valor. Há tanta gente a sofrer, tanta gente com problemas, e a nós só nos estão a pedir para estarmos em casa, acho que somos uns felizardos! Temos a mania de estarmos sempre a lamentarmo-nos e há pessoas que estão a enfrentar doenças tão difíceis, que lutam para sobreviver e que estão agarradas a uma cama. Há tantas pessoas a passar fome no mundo e que queriam ter só um bocadinho de pão para comer! A nós, só nos é pedido para que fiquemos em casa e para que tenhamos alguma calma. Acho que isto não é nada comparativamente ao sofrimento de muita gente. É tudo uma questão de tempo e tudo depende do nosso comportamento no presente.